Consequências do uso excessivo de eletrônicos para o desenvolvimento infantil

12/01/2021

Por Clarissa Ferreira Martins*

A prática clínica com crianças nos desafia diariamente com diversos questionamentos sobre o desenvolvimento infantil, dada a amplitude de questões que estão em jogo quando falamos dos processos de constituição da subjetividade.

Neste artigo, faremos um recorte sobre a questão dos dispositivos tecnológicos oferecidos para as crianças na atualidade e como podemos aproximar seus usos e abusos às especificidades dos sintomas clínicos que nos apresentam.

É fato que na atualidade as crianças pequenas estão mais presentes nas clínicas psicológicas. Se por um lado, comemoramos a possibilidade dessas crianças poderem ter acesso às intervenções precoces e com isso aumentar as chances de reverter problemas do desenvolvimento, por outro falamos de um fenômeno da cultura atual, com uma explosãode epidemias diagnósticas como, por exemplo, hiperatividade e autismo. Há uma busca incessante por medicalização em detrimento do tempo necessário ao cuidado e ao desenvolvimento do bebê e da criança pequena.

Não falaremos, contudo, nem da significativa importância de intervenções precoces – que não requerem diagnósticos fechados em crianças menores de 3 anos –, nem dos prejuízos das epidemias diagnósticas para a constituição da subjetividade. Tocaremos aqui na discussão sobre como essas crianças, que estão sendo trazidas para atendimento, apresentam uma relação de excesso com as telas de tablets, celulares e afins, em detrimento dos cuidados corporais e interações estabelecidas com elas, desde o início de suas vidas.

Podemos observar o quanto as crianças pequenas são expostas cada vez mais cedo às telas. Temos hoje a presença maciça das telas na vida de bebês em momentos de acolhimento, como se fossem chupetas eletrônicas, assim como mediadoras na hora da alimentação, do diálogo e do ninar.

Suportes de celulares para serem acoplados em carrinhos de bebês já fazem parte do enxoval de um recém-nascido, assim como cadeiras balançantes que substituem o colo da mãe, sendo que as mais modernas já vêm equipadas com suportes para tablets.

O tempo de exposição às telas também vem crescendo significativamente, graças à portabilidade dos aparelhos, celulares e tablets, que podem ser carregados por todos os cômodos da casa, assim como nos trajetos e espaços de lazer.

A questão fundamental é que esses aparatos tecnológicos não estão sendo utilizados como recursos extras ou de lazer. Observamos adultos ligarem os tablets nos carros de passeio para só depois colocarem a criança na cadeirinha. Ou seja, não é que o trajeto tenha sido longo ou cansativo e a experiência tornou-se exaustiva para a criança. O acionamento da tela se dá antes mesmo de qualquer experiência com seu corpo, seu lugar no espaço e sua interação com o outro.

Recebemos ainda relatos recorrentes sobre alimentação de bebês, inclusive na amamentação, que se faz necessariamente diante de telas. Há crianças que chegam a cerrar os lábios até que a tela seja ligada e abrem a boca esperando pelo alimento a partir do início do vídeo, sem que ao menos a comida esteja por perto.

Os cuidados corporais primordiais como trocar, alimentar, banhar, ninar, acolher, assim como o contato e comunicação que vão sendo estabelecidos nesses momentos, são fundamentais para transmissões psíquicas no processo constitutivo de subjetividade, condição que está para além do advir de crianças adaptadas.

De uma forma geral, temos nos deparado com um perfil de crianças pequenas que estão bem adaptadas, mas com sintomas de difícil acolhimento pela família, tais como episódios de agitação e birras prolongadas, escapes de xixi e cocô, dificuldades alimentares etc. A promessa de técnicas infalíveis ou resultados imediatistas para enfrentar tais dificuldades favorecem a oferta em excesso desses aparatos tecnológicos. Precisamos, no entanto, refletir sobre o fato de que, utilizando as telas como substitutos de cuidados, podemos estar comprometendo a transmissão simbólica que dá lugar e sentido de existir para a criança no mundo e que favorece um desenvolvimento para além da adaptação.

Investigar a agitação de um filho muitas vezes leva tempo, um tempo de relação com essa criança no qual se constrói um saber sobre ela, diante de muitas dúvidas, mas também de muitas descobertas e satisfações.

Falando em atualidade e parafraseando um meme de facebook: “a maternidade é como pilates, se está fácil, tem algo errado”. Quando as telas, e apenas as telas, acolhem, acalmam e alimentam as crianças, quando não nos aventuramos nas dificuldades e prazeres dessa relação, podemos nos deparar com os mais diversos sintomas, ou seja, com sinais de que algo não vai bem com nossas crianças.

*Clarissa Ferreira Martins é psicóloga do Centro de Desenvolvimento Humano, unidade clínica da AME

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