O desafio de ser professor educador de crianças com autismo

23/12/2020

Por Clunny Cambria*

Muitos me perguntam como é ser professora educadora de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA). O caminho deste profissional é desafiador, intrigante e instigante. É um caminho de buscas contínuas e incessantes, pois a tarefa educativa talvez seja a experiência mais tocante e plena que o professor educador pode ter. Esta relação professor-aluno testa os instrumentos e aptidões profissionais, a habilidade de doação, elaboração, transformação e transgressão.

Essa experiência remodelou a minha vida e tornou o meu olhar mais atento. A vivência profissional abriu minha visão para um novo conceito de mundo a respeito do qual comecei a refletir. Meu objetivo sempre foi buscar maneiras de ajudar esses alunos a compreender melhor um mundo repleto de significados e de conexões humanas tão significativas.

Aprendi a pensar nas minhas ações a partir do instante em que comecei executá-las. Essa atitude me permitiu observar, organizar, transformar e, principalmente, reestruturar as práticas para atender a esses alunos dentro de suas especificidades e singularidades.

Sobre o TEA

O TEA é um transtorno do desenvolvimento que implica em três segmentos específicos:

  • Dificuldade de interação social, na empatia, reciprocidade e atenção social;
  • Déficits de comunicação social, inclusive, nas linguagens social e contextual;
  • Comportamentos repetitivos e restritos. Apresentam estereotipias, ecolalia, preferências por determinados objetos e também apresentam distúrbios de sensibilidade (audição, tato e paladar). Lembrando que a estereotipia é um sinal clínico muito comum no TEA, tornando-se até mesmo inquietante, porque esses movimentos repetitivos acabam restringindo as atividade sociais e de interação, tão importantes para eles.

O que diferencia essas pessoas no espectro autista é a intensidade dos sintomas, que são assim classificados:

  • Leve
  • Moderado
  • Severo

No entanto, cada caso é um mundo particular. Duas pessoas com aptidões e limitações bem diferentes, uma com traços leves e outra com dificuldades severas, fazem parte desse mesmo espectro autista, pois ambas apresentam ao menos dois traços representativos dos três segmentos específicos mencionados acima.

Cada aluno TEA é um indivíduo único assim como qualquer um de nós, mas todos, sem exceção, são capazes de aprender, desde que criemos as possibilidades para a construção do conhecimento. Se não aprendem da maneira com que os ensinamos, então temos que ensiná-los da maneira com que aprendem, usando a linguagem iconográfica, figuras e imagens como apoio aos assuntos abordados.

Eles necessitam de escolas e profissionais que sejam capazes de valorizá-los em sua essência e estimulá-los a interagir com o outro e a explorar o mundo, já que eles são “estrangeiros” em qualquer lugar que estejam. Nós assumimos um sistema e um entendimento compartilhados, repletos de sinais e definições que eles não compreendem. Somente por meio da inter-relação é que conseguimos estabelecer ligações mais positivas, motivando sua participação social e educacional.

Somos uma bússola, edificadores de vidas, referências que instruem, dirigentes de diversas gerações capazes de aguçar modificações. E ensinar é criar viabilidades para o desenvolvimento do aprendizado nesses nossos alunos que, mesmo “pensando diferente”, têm sede de conhecimento.

Para isso, no entanto, não basta ser apenas professor, aquele com formação acadêmica que o credencia ao exercício da profissão. É necessário ser desprendido de metodologias, arquétipos determinados, estereótipos e prejulgamentos. É fundamental passar da figura de professor para professor educador.

*Clunny Cambria é psicopedagoga especialista em TEA e Agente Educacional da AME

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